Onde estou?
O ar era tinta negra — espessa, opaca — ocluindo-lhe a visão. Batimentos rápidos e descompassados martelavam-lhe o esterno.
Deu um passo — estranhou a fragilidade do corpo, as pernas curtas, o ressalto das articulações — e o som reverberou contra paredes invisíveis.
Hesitou, de ouvidos aguçados, respiração sustida. Um novo passo replicou o ruído seco e familiar.
Estendeu as mãos através da escuridão e notou algo duro, esmagado entre os dedos e a palma.
Palpou-o — anel ovalado, cabo fino, formas angulares e assimétricas na extremidade. Uma chave. Demasiado grande para a sua mão.
Havia uma porta…
Inspirou. Lenha queimada, azedume e um receio inexplicável encheram-lhe o peito.
Agarrou no objeto metálico e avançou devagar. A roupa roçava-lhe o corpo, demasiado pequena, encrespada.
Ao semicerrar os olhos viu um ponto luminoso — pequeno ao perto ou imenso à distância? — e decidiu segui-lo.
Pé ante pé. Centímetro a centímetro. Silencioso — tão silencioso. Como se o menor som pudesse colapsar a realidade.
PÁRA!
A voz explodiu-lhe na mente — infantil, aterrorizada. Sentiu um arrepio percorrê-lo, apesar do calor excessivo da caldeira invisível, e obedeceu.
Mas o ponto luminoso transformara-se num retângulo dourado. Tinha de o alcançar.
Uma gota de suor frio escorreu-lhe pelas costas. Deu outro passo. O chão cedeu sob o pé. Percebeu — demasiado tarde.
Devia ter parado.
O ranger da madeira cortou o silêncio. O coração congelou-lhe no peito.
— Quem está aí?!
Passaram-se segundos. Minutos. Uma eternidade de expectativa dolorosa.
Os músculos enrijeceram, prendendo-o no lugar. Mas ele não podia ficar ali. Não ali…
Devagar — tão, tão devagar — deu outro passo.
— TU!
Estacou. Seguiu-se um compasso sádico de silêncio.
— Outra vez fora da cama?!
O estômago dele convulsivou, queimando-lhe a garganta com ácido. E ele tentou fugir — enquanto ouvia o andar pesado, o chiar doentio da maçaneta.
Mas as suas passadas eram demasiado pequenas.
A porta escancarou-se no instante em que passava, tingindo o corredor de vermelho.
E uma mão disparou pela abertura, agarrando-o pelo colarinho.
— Não!
Esbracejou, socou o membro maciço que o arrastava para dentro da sala fétida.
— NÃO!
Viu a segunda mão aproximar-se e soube — se hesitasse, estaria perdido.
Abocanhou-a, fincando os dentes na pele encardida até o sabor metálico lhe cobrir a língua. Até o líquido quente lhe escorrer pelo queixo.
Um rugido estrondeou.
Ele arrancou-se do aperto vicioso e correu, como se lambido por labaredas. Tropeçou. Levantou-se. E correu, esbaforido.
O retângulo dourado era uma porta. Era a porta.
Está trancada.
Não vou conseguir!
Apertou a mão em torno da chave, levou o corpo até ao limite. Mas a porta estava longe, os passos retumbantes cada vez mais próximos…
Não havia tempo — não podia parar.
Então, atirou-se para a esquerda.
Sentiu dedos coléricos roçarem-lhe o cabelo, o chão sumir-se sob os seus pés.
E caiu.
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